domingo, 4 de janeiro de 2009

Poso

Sua estada era incerta. Quase todo dia, até as três da tarde, seu poso era incerto. Não se preocupava muito, parece que o Chapeiro sabia que de uma forma ou de outra algo iria aparecer e ele conseguira uma cama quente para aquela noite. O equinócio trazia a escuridão cedo; junto com ela, o frio madrugueiro se antecipava com o dilatar das pupilas. O fato de ser canalha e amargo, ajudava nestas horas. Não pensava duas vezes antes de aceitar olhares de senhoras suspeitas ou meninas deslumbradas. Depois de uma aproximação sutil, contava suas histórias mais curiosas de forma sedutora, e transformava a narrativa em laços de desejo. Depois de uma garrafa de vinho ( cabernet sauvignon, e se corte, tinha que constar na composição) ela já conseguia um convite para um chá ou mais vinho nos aposentos da fêmea. Na casa, quando percebia a excitação em ascensão no ar, falava que precisava ir embora, para arrancar o convite do poso. O que o chapeiro estava interessado era o poso. O sexo não era importante, ele gostava mas dispensaria, e se sentiria até melhor se não o fizesse pois conseguiria uma noite de sono com mais horas. Por vezes ele nem gozava. Encaminhava a anfitriã e encenava (mesmo com gemidos tímidos) para poder dormir o sono dos justos. Trocava sexo por poso sem problema. Pela manhã, saia na ponta dos pés para tentar se poupar de despedidas melósas e chatas, e as mulheres, em sua maioria, gostavam. Achavam mágico e misterioso. Isso fazia com que ele garantisse um novo poso, se preciso, em datas futuras. Mas isso acabou quando ele trocou mais uma vez de cidade. Se mudou para a Capital. Em duas semanas ele conseguiu o emprego de Chapeiro no café LeChanson, que ficava depois da grande esplanada.

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