quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Eu nunca mais direi te amo!

Essa é Jaqueline.
Ela esta com pressa.
Mas ainda esta em dúvida. Pressa do que?

Ela acaba de sair do café l'Echanson e caminha decidida pela esplanada procurando a primeira entrada do metro. (então ela para; olha pra baixo) Pisca duas vezes, e pensa em suas ultimas palavras, ditas alguns minutos antes:
Eu nunca mais direi te amo!

É a vida!

De olhos serrados pela fumaça das frituras, o chapeiro a encara sem dizer nada. Desistiu de argumentar. Acha até que foi convencido.

Este é o chapeiro.
Ele esta com pressa.
Essa não é a historia de sua vida então vou falar só o necessário sobre ele.
Ele é amargo e canalha.

Chapeiro - Sempre gostei do barulho do botão giratório da chapa de fritura. Girava lentamente pra ouvir e sentir na ponta de cada dedo o “tec” sonoro e maquínico que ecoava por minhas digitais. Talvez seja por isso que tenho tanto prazer em ser chapeiro. Jaqueline apareceu na porta do Bistrô no momento em que eu ligava a chapa de fritura para esquenta-la, no início de uma manhã. Neste momento eu ficava estático observando a chapa metálica por uns vinte minutos, concentrado, vendo o ar sobre a chapa se torcer aos poucos. Mas não neste dia.Como disse, foi nesse momento que Jaqueline entrou, com passos firmes e decididos.

Jaqueline – Eu nunca mais direi te amo!

Chapeiro – Você nunca me disse isso.

Jaqueline – E nunca mais direi. Eu sou a culpada. Tente entender:

Chapeiro (em um pensamento de 3,2 segundos) – Preguiça. Ela nunca disse que me amava. Girassol. Cabelos curtos. Olhos turvos. Respirar fundo.

Jaqueline – O Amor que sinto, (...) sentia por você é meu. Só fui capaz de te amar bastante por que há amor em mim suficiente para isso. Estou recolhendo este amor agora. Ele volta a ser guardado em mim, para que um dia eu volte a desapertá-lo junto com outra pessoa que o mereça, ou melhor, que me mereça quando este amor estiver liberto. Quando ele esta livre sei que sou melhor, por isso o grande prazer que duas pessoas “amadas” sentem. Só que este amor não é pelo outro, e sim um amor interno que é liberado e torna a pessoa melhor. Estou sendo redundante. Me escute:

Chapeiro – Estou entendendo... não tenho participação nisso...

Jaqueline – Sim, tem. Como achei você merecedor de atenção maior, despertei o amor em mim para que pudesse te fazer um bem maior. Mas como não é mais merecedor, eu recolho todo o amor em mim, e vou embora!
Eu nunca mais direi te amo! Pois o amor é meu e vai embora comigo!

Jaqueline sacudiu o guarda chuva na mão direita, chamando a atenção do Chapeiro para as gotículas que se espalharam pelo chão do café. Girando sobre o calcanhar ela deu a ele as costas e saiu trotando sobre as botas de borracha.
Ao cruzar a porta e virar a direita ela sentiu pressa, e firmou o passo em direção a esplanada.